terça-feira, 14 de agosto de 2018

Cebola Crua com Sal e Broa - Miguel Sousa Tavares [Opinião]

Título: Cebola Crua com Sal e Broa
Autor: Miguel Sousa Tavares
Editor: Clube do Autor
N.º de Páginas: 368

Sinopse:
Eterno contador de histórias, o autor dá vida aos seus primeiros anos: da infância à juventude, dos jornais à política. O testemunho de uma vida única com a História contemporânea de Portugal como fundo.

Uma quinta no Marão e a escola igual para todos. Os Verões nas praias da Granja e de Lagos. "Melville" e a pesca da lula «ao candeio». Uma casa diferente e alternativa. Marcelo e as lutas estudantis. O pai e o 25 de Abril. A PIDE e as loucuras do PREC. O trabalho no Estado. A liberdade nos jornais e o fascinante mundo da televisão. Soares, Guterres e Sócrates. As paixões pelo jornalismo e pela literatura. As promessas de vida cumpridas e as juras por cumprir...

«Pode um homem viver impunemente começando a sua infância numa aldeia do Marão, comendo cebola crua com sal todas as merendas? Daí saltar para o mundo cinzento e as manhãs submersas da vida salazarenta da Lisboa dos anos sessenta? Acordar na manhã luminosa do 25 de Abril e descobrir que, afinal, éramos todos anti-fascistas e revolucionários e, logo depois, ir ao encontro do mundo e descobrir-se a si mesmo como uma testemunha privilegiada de tempos incríveis que, não os narrando, teria sepultado para sempre na cinza dos dias inúteis? Declaro que vi. E, por isso, conto. Antes que a água tudo lave e apague.»

A minha opinião:
Apesar de referir que este livro não é uma autobiografia, Cebola Crua com Sal e Broa conta parte da história de vida de Miguel Sousa Tavares. Este é mais um livro de memórias no qual o autor conta histórias da sua infância, que nos transportam para os anos 60, e com ele caminhamos até aos dias de hoje.

Ao longo de 400 páginas, divididas por 16 capítulos, vamos conhecendo melhor o autor de Equador, mas também a vida da mãe, Sophia, e do pai, Francisco, um homem que combateu o Estado Novo com unhas e dentes e que, por causa disso, fez com que a família passasse por dias menos bons. Os pais, uma família burguesa, não tinham condições para sustentar dos cinco filhos, optando por "mandar" dois deles para viverem com outras famílias, da sua confiança.

É numa dessas alturas que Miguel se vê num comboio que o levará a Jazente, freguesia muito rural de Amarante, para lá viver com uma madrinha que mal conhece. É lá que Miguel, até ali um citadino, aprende as vivências do que é um menino de aldeia, e que prova, juntamente com muitos outros, a cebola crua com sal e broa, que muito me faz recordar a minha terra natal vizinha a Amarante. É mesmo um petisco imperdível. 

"O "menino Miguelzinho" adorava juntar-me a eles e acompanhá-los no caldo-verde e no arroz de feijão, isso mais a minha merenda de todos os dias - cebola crua com sal e broa - é escusado dizer que ficaram para sempre como dos meus pratos preferidos."

Vai com seis anos, viver com uma família que mal conhece, que nem sequer é sua família de sangue, e ali permanece quase dois anos. Mas esses dois anos transformaram-se numa experiência para vida, como conta.

"Hoje, para quem não vive esses tempos e para quem o conceito de miséria é sucessivamente alargado, é impossível ter uma ideia do que era a miséria de então, no campo: absoluta, visível, feia como uma noite de tempestade, dia a dia sofrida e impossível de ser esquecida."

Confesso que esta foi a parte que gostei mais, que me disse mais. Isto porque sou filha do Douro, e, apesar de ser de outra geração de Miguel, identifiquei-me tanto com o que ele diz.
Esse tempo da infância moldou-lhe o carácter. "Não há pão como o pão da nossa infância. O sabor daquele pao é uma coisa que fica, os cheiros da nossa infância, as cores, os primeiros natais, mais os valores que fomos aprendendo, os amigos da escola.", recorda em entrevista.

Mas o livro não retrata apenas o Marão. Aliás, esta parte soube a pouco. Depressa o autor regressa a Lisboa e a um colégio privado que detesta, e que privilegia as elites.

Passa ainda pelos tempos da revolução e da importância que teve nela o seu pai, Francisco Sousa Tavares.

Miguel Sousa Tavares é um excelente contador de histórias. Já o tinha provado com Equador e Rio das Flores, mas também com os restantes livros que foi publicando ao longo dos anos. Sou fã confessa do autor e fico sempre vidrada com as suas histórias. Esta tem a particularidade de ser a história da sua vida, plena de aventuras e que tem a particularidade de nos contar a vida com a sua mãe. Com eles viajamos para a praia da Granja, cá no norte, mas também a praia de Lagos, praia que apaixonou Sophia e que criou amizades que ainda perduram.

Esta é uma obra apaixonante que nos leva a vários pontos do país e nos contam partes da história de uma forma dura e crua, tal como eles foram.

Só posso recomendar.





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