Título: Aos Olhos de Deus
Autor: José Manuel Saraiva
Editora: Oficina do Livro
N.º de Páginas: 256
PVP: 8,90€
Sinopse:
A magnífica embaixada de D. Manuel I ao Papa Leão X. Os pecados que o Império não conseguiu esconder. Uma história de amor que venceu a fé dos homens.
1514. Na época áurea dos Descobrimentos Portugueses, D. Manuel I toma a decisão de enviar ao Papa Leão X uma grande embaixada, demonstração viva do seu poderio temporal.
D. Diogo Pacheco, fidalgo da corte, amigo pessoal do Rei Venturoso, é encarregado pelo monarca de compor e proferir a Oração de Obediência ao Sumo Pontífice, o momento alto da embaixada.
A comitiva parte de Lisboa em cinco embarcações com um tesouro valiosíssimo e animais exóticos trazidos de África e da Índia. Após conturbada viagem o cortejo chega a Roma, onde o Papa preparara uma sumptuosa recepção com a presença das mais altas figuras profanas e religiosas da época.
No meio do fausto da corte portuguesa e da Cúria dos Medici, contrastante com a dor e a miséria do povo sofredor, ascende à figura de símbolo o amor regenerador de D. Diogo pela bela judia, Raquel Aboab, a quem aquele salvara da fogueira e da sanha intolerante do antijudaísmo reinante. A época de ouro da história do mundo esconde segredos e pecados inconfessáveis das grandes figuras que comandam os destinos do mundo. Entre a fé e a cegueira do poder, a aparência e a essência da condição humana, o sentido de missão e a vaidade só o amor poderá ser redentor. Aos olhos de Deus as personalidades da história não ficarão impunes. E Deus não jogará aos dados.
A minha opinião:
Tal como Rosa Brava, este novo livro de José Manuel Saraiva não me decepcionou. “Aos olhos de Deus” relata sobretudo a época dos descobrimentos, na altura em que D. Manuel I decide presentear o Papa Leão X com riquezas vindas do Oriente.
É também a altura da construção do Mosteiro dos Jerónimos, cujo lançamento da primeira pedra seria a 6 de Janeiro de 1502. D. Manuel queria que os Jerónimos se convertessem no símbolo do seu poder absoluto.
A chegada das naus do Oriente, com todas as riquezas vindas das colónias, trouxe também alguns animais exóticos, que nunca tinham sido vistos pela população portuguesa. A curiosidade pelo desconhecido, por parte de toda a população, faz com que aí não haja distinções entre classes. Quer o povo, nobreza ou clero reagiram da mesma forma quando viram, pela primeira vez, um elefante. Um episódio no mínimo hilariante:
«Não foram apenas o rei e alguns cortesãos a assustar-se vagamente com o porte fantástico do elefante. Houve padres que, ao verem o animal, foram recolher-se nas igrejas, convencidos de que ele encarnava a imagem sinistra de Satanás ou, não sendo bem assim, que possuía pelo menos a marca da sua inspiração. Do mesmo modo e por razões idênticas à dos sacerdotes em disfarçada fuga, algumas mulheres, porventura as mais sensíveis ao pânico e ao horror, caíram desmaiadas no chão e húmido da margem do rio.»
O Papa Leão X, da família Medici, viria a ficar felicíssimo pelas numerosas oferendas que o rei português tinha para lhe oferecer.
Elevado à condição de bispo, em segredo, aos 14 anos, pelo Papa Inocêncio VIII, Giovanni Medici (Papa Leão X), soube colher da sua família o gosto pelo fausto. «Foi de resto pelo dinheiro que os Medici ascenderam ao mais alto patamar da nobreza florentina; foi pela condição económica que se sentaram algumas das suas mulheres em tronos reais; foi enfim pela riqueza que instalaram na cátedra pontifica, a nove de Março de 1513, o jovem Giovanni de Medici –com apenas 37 anos de idade.»
O gosto pelos bens materiais como pelas mulheres Formosas, seriam, contudo, as únicas semelhanças entre D. Manuel I e Papa Leão X. «O amor à fortuna, a constância ao poder temporal, o gosto pelas mulheres formosas e a dedicação sem limite aos prazeres da vida. Quanto ao resto, excluindo a infeliz coincidência de ambos serem dotados de um medonho aspecto físico… não se registavam quaisquer afinidades. Sobretudo nas questões do saber.»
O rei português, apesar de ter um espírito empreendedor e «a extraordinária sageza política que faziam dele um excelente rei», era inculto, mal sabendo falar com o povo ou mesmo na corte. Pelo contrário, «Leão X era culto, sabia latim, grego, italiano rigoroso, escrevia bulas admiráveis, epigramas, poemas.»
Relativamente a Portugal, apesar das grandes e magníficas ofertas do rei de Portugal ao Papa, a situação económica não era a melhor. «Portugal era um país pobre. Mal sabiam as populações de Roma, talvez mesmo da própria Igreja, que nesse distante reino, cujo monarca se propusera enviar ao Papa uma incomensurável fortuna em bens preciosos, havia fome por toda a parte. Que a lavoura estava arruinada; que as tropas que andavam pelo Oriente à conquista de novos mundos e a pregar a fé de Cristo só raramente recebiam os seus soldos; que os fidalgos começavam a abandonar o cultivo das terras – mas nunca a posse delas – suplicando depois ao rei que os mandasse para a Índia, onde, através de indecorosos processos de pilhagem, tencionavam enriquecer depressa e muito. De igual modo ninguém sabia que os fidalgos que já haviam conseguido as tão desejadas mercês, e por sorte não ficaram sepultados no fundo dos mares, estavam a fazer por essa altura negócios fabulosos com a canela e a pimenta, que lhes rendia lucros de quinhentos e seiscentos, às vezes até mil por cento ao mês.»
Mas não é só de história que versa o livro. O autor também nos leva ao romance entre D. Diogo Pacheco, fidalgo da corte e amigo pessoal do rei português, e a judia Raquel Aboab. Foi também nesta época que Portugal dizimou milhares de judeus. Os pais de Raquel também viriam a ser mandados matar e só Raquel se salvaram porque D. Diogo a conseguiu esconder na casa de um amigo, durante vários anos.
Este ódio aos judeus não partiu directamente de D. Manuel, que chegara, inclusive, a ter uma grande simpatia pelo povo hebreu. Chegou até a acolher os judeus expulsos de Castela pelos reis católicos, que terão, eles próprios chegado a pensar que só em Portugal conseguiriam alcançar tão desejável porto de abrigo que lhes garantiria a paz e segurança de vida. No entanto, na altura de se casar, «os reis católicos, cujo principal objectivo consistia de igual modo a unificação das duas coroas, não perderam tempo e propuseram a D. Manuel que desposasse a sua filha mais nova, a infanta D.Maria. Acontecia, porém, que na linha sucessória ela estava longe do trono castelhano, e isso não interessava ao rei português […] Por isso mesmo apresentou a contra-proposta de se casar com a sua irmã D. Isabel, primogénita, viúva do sobrinho e primo de D. Manuel, o príncipe D. Afonso. […] Mas a infanta Isabel, chorando a praguejando, tentou opor-se à solução. Sobretudo porque não estava disposta a substituir no tálamo conjugal um homem que amara por outro que detestava. […] Só que os pais de D. Isabel, também seduzidos por um futuro de esplendor, obrigaram-na a casar. E ela aceitou a ordem, impondo ao monarca português, como condição prévia, o compromisso de ele mandar limpar do seu reino a lepra judaica, afastando-a para longe, expulsando-a ou liquidando-a.»
Entretanto, D. Isabel viria a morrer de parto nos dois anos seguintes ao matrimónio, casando-se D. Manuel com a sua cunhada D. Maria, «que tal como a falecida irmã, desde sempre se revelou intolerante com o povo hebreu. […] De modo que fora por razões de exclusivo interesse político, e não tanto por razões de desumanidade ou de intolerância religiosa, que D. Manuel viria a consentir, no início do mandato, muitos abusos contra um povo indefeso, de que agora, passado algum tempo, parecia arrependido.»
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